Ação aministrativa
especial vs. Ação administrativa comum – a distinção entre o
37º nº2 al.c) e o 46º/2 al. b) CPTA
O contencioso
administrativo português divide-se essencialmente entre dois meios processuais administrativos principais que constituem a dualidade
Ação administrativa comum/ Ação administrativa especial.
Os critérios de
distinção entre os dois tipos de ação são dois. O primeiro
resulta diretamente da lei e consta do artigo 37º/1 CPTA, isto é,
será ação comum aqueles processos para os quais não está
estatuída qualquer outra forma em especial. É portanto um critério
processual residual, na medida em que para a ação especial será
expressamente identificada na lei o processo devido e tudo o resto
será tratado em ação comum.
Já o segundo critério
consiste naquele sobre o qual reside a questão em análise. É um
critério substantivo e consiste na divisão entre atos e
regulamentos administrativos - que são objeto de ação
administrativa especial - e contratos, atuações informais e
técnicas ou de operações materiais - que são objeto da ação
administrativa comum.
Atendendo a estes
critérios assim enunciados, parece sugerir-se que é simples esta
distinção. Contudo ao analisar-se o 37º/2 al.c), constata-se que
existem atos administrativos que cabem à ação comum diluindo assim
esta distinção. Neste artigo estatui-se a possibilidade de a
Administração poder ser condenada à adopção ou abtenção de
atos administrativos e assim acaba por chocar com o artigo 46º/2
al.b) CPTA.
A origem do artigo
37º/2 al. c) CPTA é de inspiração alemã, mais especificamente,
na “ação geral de condenação judicial” a um determinado
comportamento da administração. Porém, no direito alemão, o meio
processual no qual a ação comum deste artigo se inspirou tem duas
especificidades: o seu objeto incide nas decisões públicas que não
consistam em atos ou normas administrativas; e abrange os
comportamentos tomados também por autoridades públicas e por
privados.
Estas duas
particularidades tornam a adaptação portuguesa difícil de
interpretar na medida em que existiu uma opção pela dicotomia
especial/comum e por isso a colocação de um artigo de inspiração
num ordenamento que prima por múltiplos meios de processo tornou a
distinção entre os dois meios um pouco mais difícil e carecida de
interpretação pela doutrina.
O professor Vasco
Pereira da Silva indica assim a necessidade de se fazer uma
interpretação sistemática e corretiva do artigo 37º/2 al.c) CPTA
(Contencioso Administrativo – no Divã da Psicanálise, 2ª edição,
p. 451).
Quanto à primeira
parte do artigo, ou seja, no que diz respeito à adoção ou
abstenção de comportamentos da Administração não existem
problemas a levantar uma vez que não afeta a distinção entre os
dois meios processuais baseada no segundo critério acima enunciado.
A questão jaz portanto
na segunda parte do 37º/2 al.c) CPTA dado que o legislador alarga o
âmbito da ação administrativa comum à prática ou à omissão de
atos administrativos. Vasco Pereira da Silva chega mesmo a referir
que parece existir no contenciosos administrativo pós-reforma uma
“obsessão pelo ato administrativo” (Contencioso Administrativo –
no Divã da Psicanálise, 2ª edição, p.453). Assim importa
distinguir para a análise desta segunda parte entre a condenação à
prática de um ato administrativo e a condenação à abstenção da
emissão de um ato administrativo potencialmente lesivo.
Na condenação à
prática de um ato administrativo temos de conjugar o preceito como
37º/1 CPTA, e constatamos que a condenação à prática de atos
será em ação comum quando não seja objeto de regulação
especial. Como o 46º/2 al. b) tem regulado como ação especial
aquela que se destina à condenação da administração à prática
de atos administrativos, então para a situação em que esteja em
causa a prática de um ato correspondente ao exercício dos poderes
vinculados da Administração, a ação será sempre a especial do
46º/2 al. b) pois existe uma regulação especial no CPTA que a
exclui do âmbito do 37º/2 al. c).
No que diz respeito aos
pedidos de condenação à abstenção da prática de atos
administrativos aqui considero que poderá ser proposta ação
administrativa comum. Esta figura é também de inspiração alemã,
mais especificamente na figura da “ação preventiva de abstenção”.
Aqui o legislador português alarga uma vez mais aos atos
administrativos o âmbito desta figura e que mais uma vez entra em
contradição com o critério de separação entre os dois meios
processuais existentes. Este tipo de ação tem uma função
essencialmente preventiva e apesar de inserido na ação
administrativa comum, há doutrina que defende aqui igualmente que
esta deveria também incluir-se nas ação administrativa especial
(entre eles Vasco Pereira da Silva, Contencioso Administrativo – no
Divã da Psicanálise, 2ª edição, p. 455) uma vez que consideram
estar aqui presente um ato administrativo.
Contudo considero que
se possa tratar da abstenção à emissão de atos administrativos em
ação administrativa comum do 37º/ 2 al.c) CPTA. Por um lado porque
ainda não existe ato administrativo e por isso a ação irá dizer
respeito a um comportamento a adotar pela Administração. Esse
comportamento é anterior ao ato administrativo e pode ser imposto à
Administração adotar esse comportamento com base numa possível
lesão dos direitos dos particulares, pelo que ainda não precisa de
haver sequer lesão efetiva. Por outro lado para dar algum sentido
útil à parte final do artigo pois apesar de tudo esta possibilidade
de se condenar a administração à abstenção da prática de atos
era uma realidade inexistente no contencioso pré-reforma e à qual o
legislador pretendeu dar reconhecimento em nome da defesa e proteção
dos direitos e interesses do administrado concretizando a garantia da
tutela jurisdicional efetiva.
Assim, concluo
reforçando que o artigo 37º/2 al. c) deverá compreender em ação
administrativa comum a condenação ou abstenção da administração
relativamente a comportamentos e a condenação à omissão de atos
administrativos, mas no que diz respeito à condenação desta na
prática de atos administrativos deverá aqui intentar-se ação
administrativa especial do 46º/2 al.b) CPTA. garantia da tutela
jurisdicional efetiva.
Sónia A.C. Domingos
subturma 5 nº 18421
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