Neste curto ensaio, vou analisar
a questão das relações jurídico-administrativas multilaterais, começando com
uma brevíssima referência histórica, passando à sua definição e caracterização
e por fim, referindo sumariamente as formas principais de processo que as
abrangem.
A relação jurídico-administrativa
multilateral surge como uma manifestação da Administração do Estado
Pós-Industrial. Trata-se de uma Administração prestadora e constitutiva que,
por força dos interesses públicos que prossegue, vai ter de decidir entre
interesses privados diferente e até opostos. São muito comuns este tipo de
relações no âmbito do Direito do Ambiente e do Direito do Urbanismo.
Este tipo de relações jurídicas
advêm da tutela jurisdicional efectiva, prevista nos artigos 20º nº1 e 5 e 268
nº4 da Constituição da República Portuguesa. A tutela jurisdicional efectiva
pressupõe a atribuição de legitimidade a todos para a defesa efectiva e plena
dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. É com esta ideia que se
passa a falar do Contencioso Administrativo como um processo de partes e não
apenas de duas partes. Nos tribunais passam a ser considerados os vários
direitos e os vários interesses que podem ser afectados por uma actuação
administrativa.
Passando agora à sua definição, as
relações jurídicas multilaterais são relações jurídicas que envolvem para além
da entidade administrativa que emite actos e dos destinatários dos mesmos,
também os privados que sejam lesados por essa actuação.
Para Francisco paes marques, tratando esta situação por
multipolaridade, estas tratam-se de relações jurídico-administrativas que, para
além do destinatário de determinada medida administrativa, acabam por abranger
outros sujeitos aí especialmente contemplados, ou seja terceiros. O mesmo autor
define as mesmas por relações jurídicas administrativas, nas quais se
confrontam dois ou mais interesses privados, e cuja conformação do respectivo
exercício cabe à administração pública, mediante a adopção de um acto
jurídico-público.
A doutrina alemã desenvolveu a
figura de terceiros afectados para este tipo de relações. Sendo que Dinamene g. faria de freitas, apresenta
na sua tese de Mestrado, o critério da lesão ou afectação qualificada para
determinar quais os terceiros titulares de um interesse legalmente protegido.
Segundo este critério, quando existe um direito ou interesse legalmente
protegido se, integrando a esfera jurídica de terceiros, preexistentes à lesão,
que são afectados por uma actuação administrativa. Tratam-se de terceiros
reflexamente lesados, mas não verdadeiros terceiros uma vez que não se tratam
de sujeitos completamente estranhos à relação jurídica em causa. Isto assim
acontece, por força da natureza subjectiva do Contencioso Administrativo, que
em conjunto com a tutela jurisdicional efectiva, sendo que qualquer
interessado, mesmo não destinatário de acto administrativo, desde que se vejam
lesados pelo mesmo, o podem impugnar.
Na multilateralidade não estaria
em causa uma simples relação bilateral entre a Administração e os Cidadãos, mas
antes interesses constitucionalmente protegidos, nos quais vêm concretizados
interesses de sujeitos privados que apenas podem ser realizados à custa dos
interesses de outros privados. Estamos assim perante a existência de um
conflito de interesses.
Vasco
pereira da silva fala mesmo em actuações de massa, actuações estas que
envolvem uma multiplicidade de destinatários, quer sejam de natureza
regulamentar que sejam actos administrativos, não restringindo assim as
multilateralidade aos actos administrativos, alargando-a aos regulamentos
administrativos.
Já dinamene g. faria de freitas admite não só relações de
multilateralidade nos actos e regulamentos como até em contratos
administrativos.
Passando à caracterização do
procedimento administrativo referente a relações jurídicas multilaterais,
começo por comparar estes com o procedimento administrativo referentes a
relações jurídicas bilaterais. No segundo, uma vez que afecta um número
reduzido de privados, tem uma componente subjectiva de protecção jurídica de
direitos muito mais forte, uma vez que se exige a efectiva titularidade de um
direito, ou a efectiva titularidade de uma posição jurídica activa. Já no
primeiro, podem ser chamados a intervir mesmo privados que não seja titulares
de qualquer direito ou interesse legalmente protegido, importa sim que tenham
algum interesse fáctico na questão.
Poderia levantar-se a questão
sobre se é respeitada a igualdade entre as partes no contencioso multilateral.
Formalmente esta está assegurada no artigo 6º do Código de Processo dos
Tribunais Administrativos, materialmente esta tem de ser densificada pelo Juiz,
caso a caso, no decorrer do processo.
Após esta breve análise das
relações multilaterais, termino com a referência à Coligação, prevista do
artigo 12º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos, à apensação
prevista no artigo 28º do mesmo código e aos Processos em Massa, previstos no
artigo 48º, também do mesmo código. Estas são as 3 formas mais comuns de se
tratar de uma relação multilateral no seio da acção administrativa uma vez que
possibilitam a intervenção de terceiros no processo, que têm um interesse
legalmente protegido ou até mesmo um direito subjectivo, que foi lesado com a
actuação da administração.
André Alexandre Bettencourt Morais Nº18001 Subturma
5 4º Ano FDL
Bibliografia:
-Francisco
Paes Marques, As Relações Jurídicas Administrativas Multipolares: contributo
para a sua compreensão substantiva;
-Vasco
Pereira da Silva, Verde Cor de Direito;
-Vasco
Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise;
-Vasco Pereira da Silva, ”Do Velho se Fez Novo”. A
Accao Administrativa Especial de Anulação de Acto Administrativo in Temas e
Problemas de Processo Administrativo;
-Dinamene
G. Faria de Freitas, As Relações Administrativas Multilaterais;
-Tereza
Jordão, A Igualdade das Partes no Contencioso Administrativo (Das relações
jurídicas Bilaterais às relações jurídicas Multilaterais)
-Mário
Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos
Tribunais Administrativos Vol. I
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