terça-feira, 22 de maio de 2012

Relações Multilaterais no Contencioso Administrativo


Neste curto ensaio, vou analisar a questão das relações jurídico-administrativas multilaterais, começando com uma brevíssima referência histórica, passando à sua definição e caracterização e por fim, referindo sumariamente as formas principais de processo que as abrangem.
A relação jurídico-administrativa multilateral surge como uma manifestação da Administração do Estado Pós-Industrial. Trata-se de uma Administração prestadora e constitutiva que, por força dos interesses públicos que prossegue, vai ter de decidir entre interesses privados diferente e até opostos. São muito comuns este tipo de relações no âmbito do Direito do Ambiente e do Direito do Urbanismo.
Este tipo de relações jurídicas advêm da tutela jurisdicional efectiva, prevista nos artigos 20º nº1 e 5 e 268 nº4 da Constituição da República Portuguesa. A tutela jurisdicional efectiva pressupõe a atribuição de legitimidade a todos para a defesa efectiva e plena dos seus direitos ou interesses legalmente protegidos. É com esta ideia que se passa a falar do Contencioso Administrativo como um processo de partes e não apenas de duas partes. Nos tribunais passam a ser considerados os vários direitos e os vários interesses que podem ser afectados por uma actuação administrativa.
Passando agora à sua definição, as relações jurídicas multilaterais são relações jurídicas que envolvem para além da entidade administrativa que emite actos e dos destinatários dos mesmos, também os privados que sejam lesados por essa actuação.
Para Francisco paes marques, tratando esta situação por multipolaridade, estas tratam-se de relações jurídico-administrativas que, para além do destinatário de determinada medida administrativa, acabam por abranger outros sujeitos aí especialmente contemplados, ou seja terceiros. O mesmo autor define as mesmas por relações jurídicas administrativas, nas quais se confrontam dois ou mais interesses privados, e cuja conformação do respectivo exercício cabe à administração pública, mediante a adopção de um acto jurídico-público.
A doutrina alemã desenvolveu a figura de terceiros afectados para este tipo de relações. Sendo que Dinamene g. faria de freitas, apresenta na sua tese de Mestrado, o critério da lesão ou afectação qualificada para determinar quais os terceiros titulares de um interesse legalmente protegido. Segundo este critério, quando existe um direito ou interesse legalmente protegido se, integrando a esfera jurídica de terceiros, preexistentes à lesão, que são afectados por uma actuação administrativa. Tratam-se de terceiros reflexamente lesados, mas não verdadeiros terceiros uma vez que não se tratam de sujeitos completamente estranhos à relação jurídica em causa. Isto assim acontece, por força da natureza subjectiva do Contencioso Administrativo, que em conjunto com a tutela jurisdicional efectiva, sendo que qualquer interessado, mesmo não destinatário de acto administrativo, desde que se vejam lesados pelo mesmo, o podem impugnar.
Na multilateralidade não estaria em causa uma simples relação bilateral entre a Administração e os Cidadãos, mas antes interesses constitucionalmente protegidos, nos quais vêm concretizados interesses de sujeitos privados que apenas podem ser realizados à custa dos interesses de outros privados. Estamos assim perante a existência de um conflito de interesses.
Vasco pereira da silva fala mesmo em actuações de massa, actuações estas que envolvem uma multiplicidade de destinatários, quer sejam de natureza regulamentar que sejam actos administrativos, não restringindo assim as multilateralidade aos actos administrativos, alargando-a aos regulamentos administrativos.
dinamene g. faria de freitas admite não só relações de multilateralidade nos actos e regulamentos como até em contratos administrativos.
Passando à caracterização do procedimento administrativo referente a relações jurídicas multilaterais, começo por comparar estes com o procedimento administrativo referentes a relações jurídicas bilaterais. No segundo, uma vez que afecta um número reduzido de privados, tem uma componente subjectiva de protecção jurídica de direitos muito mais forte, uma vez que se exige a efectiva titularidade de um direito, ou a efectiva titularidade de uma posição jurídica activa. Já no primeiro, podem ser chamados a intervir mesmo privados que não seja titulares de qualquer direito ou interesse legalmente protegido, importa sim que tenham algum interesse fáctico na questão.
Poderia levantar-se a questão sobre se é respeitada a igualdade entre as partes no contencioso multilateral. Formalmente esta está assegurada no artigo 6º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, materialmente esta tem de ser densificada pelo Juiz, caso a caso, no decorrer do processo.
Após esta breve análise das relações multilaterais, termino com a referência à Coligação, prevista do artigo 12º do Código de Procedimento dos Tribunais Administrativos, à apensação prevista no artigo 28º do mesmo código e aos Processos em Massa, previstos no artigo 48º, também do mesmo código. Estas são as 3 formas mais comuns de se tratar de uma relação multilateral no seio da acção administrativa uma vez que possibilitam a intervenção de terceiros no processo, que têm um interesse legalmente protegido ou até mesmo um direito subjectivo, que foi lesado com a actuação da administração.

André Alexandre Bettencourt Morais   Nº18001              Subturma 5        4º Ano                  FDL

Bibliografia:
                -Francisco Paes Marques, As Relações Jurídicas Administrativas Multipolares: contributo para a sua compreensão substantiva;
                -Vasco Pereira da Silva, Verde Cor de Direito;
                -Vasco Pereira da Silva, O Contencioso Administrativo no Divã da Psicanálise;
                -Vasco Pereira da Silva, ”Do Velho se Fez Novo”. A Accao Administrativa Especial de Anulação de Acto Administrativo in Temas e Problemas de Processo Administrativo;

                -Dinamene G. Faria de Freitas, As Relações Administrativas Multilaterais;
               
                -Tereza Jordão, A Igualdade das Partes no Contencioso Administrativo (Das relações jurídicas Bilaterais às relações jurídicas Multilaterais)

                -Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Código de Processo nos Tribunais Administrativos Vol. I

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